NÃO ADIANTA CHORAR QUEM PARTIU SE EM VIDA NÃO MARCOU

 


“Nossas vidas são os rios que vão descendo ao mar. Minha vida é o Araguaia.”

Dom Pedro Casaldáliga, CMF

 

Quero pedir licença para escrever estar linhas em primeira pessoa, pois o que aqui trago e coloco a disposição para ler são palavras verbalizadas de experiências sentidas, pois não digo vividas porque acredito que ainda falta muito para chegar a esse patamar embora defenda uma causa em favor da vida e dos pequenos do Reino. Repito: ainda falta muito para ser uma experiência vivida.

Com estas palavras e, sobretudo com a frase inicial, que está no título, quero hoje falar do profeta Pedro Casaldáliga, pessoa que sempre admirei desde o momento que soube da sua existência e da sua missão de resistência.

Janeiro de 2000 é o ano que marca meu primeiro encontro com o humano Pedro Casaldáliga. Quer saber como foi? Eu te conto. Estava acontecendo as Missões Diocesanas na Diocese de Cruz Alta no Rio Grande do Sul. Nessa semana missionária eu fiquei na comunidade da matriz da paróquia Santa Terezinha na cidade de Condor. Numa dessas noites a juventude nos convidou para assistir ao filme Anel de Tucum, filme esse que em várias cenas do filme aparece Dom Pedro. Eu não o conhecia até então, mas os jovens comentavam que aquele homem franzino, simples de uma voz encantadora era o bispo de São Felix do Araguaia, MT. A partir desse dia comecei a me interessar em conhecer um pouco mais sobre a vida desse bispo que não parecia bispo.

O tempo passou, não vou me deter nos detalhes pormenorizados de toda a trajetória se não o texto ficará muito longo, os anos de seminário, de inserção pastoral, de engajamento na luta em defesa dos pequenos e fracos, me informaram e me formaram mais sobre o bispo dos pobres, o bispo do Evangelho encarnado. Sempre fiquei atento a tudo o que envolvia a pessoa dele, sobretudo nessas últimas semanas com o agravamento da sua saúde.

Ontem, sábado, dia 07 de agosto, estava eu a fazer faxina na casa. Fiquei um bom tempo sem olhar as mensagens das redes sociais. Por volta das 11h40 min, parei para descansar um pouco e fui verificar se havia alguma mensagem e me deparei com muitas delas não lidas ainda, o que praticamente acontece todo o dia. Mas foi no grupo da Rede Celebra Nacional que eu li a informação da páscoa de Dom Pedro há exatamente 2 horas atrás. Imediatamente parei e escrevi uma pequena mensagem, em uma imagem, e divulguei nas redes sociais. Algumas curtidas, poucas, mas alguém viu.

Não me importa se houve cem, duzentas, dez ou duas curtidas. Isso não faz a diferença pelo que eu sentia, sinto e continuarei a sentir pela vida, pela missão e pelo legado de Dom Pedro. Talvez ele não seja tão interessante e nem tão visível numa sociedade que optou por um sistema de morte e de exclusão. Talvez ele seja uma pedra que saiu do sapato de muitos exploradores, racistas, preconceituosos e gananciosos genocidas que perambulam pela sociedade brasileira e até fora dela, mas influenciando-a. Dom Pedro não tem mais voz para falar e denunciar o mal que assola os povos indígenas, os operários, os pobres e os injustiçados que sofrem a mão forte que desaba sobre eles sem piedade, sobretudo no dia em que o Brasil alcança o número de cem mil vidas ceifadas pela Covid-19 sob um vírus maior chamado indiferença. Dom Pedro emudeceu, mas o povo não emudeceu. Boa parte do povo do Brasil e da América Latina não emudeceu porque a voz profética do bispo franzino, em tamanho, mas forte na missão, continua viva a ecoar por justiça, paz e direitos humanos. 

Ao escutar e assistir as palavras que foram proferidas na homilia e nas homenagens a Dom Pedro hoje a tarde na missa ezequial em Batatais, São Paulo eu me deparei, nas falas proferidas, com a frase que coloquei acima como título do texto: não adiante chorar quem partiu se em vida não marcou. Nada do que foi dito foi apenas por formalidade que os momentos de funerais muitas vezes exigem. Tudo o que foi proferido foi vivido por Dom Pedro em sua missão e em sua vida, inclusive os símbolos presentes que refletiam a sua missão e a sua causa. Chorar a páscoa de Dom Pedro é chorar uma vida que marcou profundamente a missão em defesa dos pequenos. Talvez o termo chorar não seja adequado, embora as lágrimas teimam a cair. É muito mais um gesto de gratidão do que choro por aquele humano que soube vivenciar intensamente a sua vocação de batizado, religioso, sacerdote e bispo expresso nas tantas homenagens recebidas dos mais diversos lugares do mundo e várias denominações religiosas.  

No seu leito de morte física nenhum ornamento a mais, apenas aquele homem com vestes simples, descalço e tendo em seus pés a Palavra de Deus que foi o alicerce para sua missão. Durante a despedida final várias vezes a câmera focou o seu rosto sereno, mas desfigurado por estar sem vida. Estava com o celular em minha mão e pensei em tirar uma foto para guardar de recordação, porém logo parei, pois pensei: o reflexo dessa imagem na memória é muito mais mistagógico do que olhar para uma foto.

Dom Pedro: o rio Araguaia da sua existência terrena chegou ao mar. 

Prof. Esp. Edemilton dos Santos

https://www.salvatorianas.org.br/blog/faleceu-dom-pedro-casaldaliga-pastor-profeta-e-irmao-dos-pobres/

https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2020/08/08/dom-pedro-casaldaliga-morre-aos-92-anos.ghtml

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