BRUMADINHO AINDA EXISTE, A DOR AINDA PERSISTE


Um ano se passou e a dor ainda continua a rondar a vida das famílias, vitimas do crime ambiental e humano de Brumadinho, cidade localizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Figura 01[1]
Era o dia vinte e cinco de janeiro do ano de dois mil de dezenove. A movimentação na empresa seguia o seu curso normal e rotineiro. Colaboradores saindo do almoço, outros entrando, outros ainda no descanso e alguns já no trabalho. Pessoas nas máquinas. Pessoas no pátio. Pessoas nos prédios. Pessoas nos carros e maquinários. Alguns conversando, outros sozinhos. Todos agradecendo pelo emprego, quem sabe fazendo planos para o futuro. De repente, doze horas e vinte e oito minutos, ... mais de duzentas e cinquenta vidas humanas são soterradas pela lama de rejeitos. Propriedades inteiras engolidas. O Rio Paraopeba assassinado pela alta concentração de metais pesados que até a ele chegaram. Começa aqui o crime ambiental e humano provocado pela motivação ao lucro sobre o humano e o ambiental. A Vale do Rio Doce consegue acabar com a vida de um povo.
Grandes heróis se fazem presente nesse lamaçal destruidor, na luta contra o tempo, para encontrar pessoas vivas e, lamentavelmente, corpos sem vida para devolver às suas famílias. Esses heróis, essas heroínas são os bombeiros que, das mais diversas partes do Brasil, somam forças para ao menos entregar o corpo aos familiares. Cada corpo encontrado uma tarefa dolorida cumprida com amor. Cada passo na lama uma esperança. Cada dia findado a sensação do dever cumprido, mas a expectativa para o outro dia, mais um dia de busca. E assim segue o trabalho incansável destes profissionais que ainda lutam para devolver o corpo aos familiares que esperam para sepultar seus entes queridos. O trabalho ainda continua mesmo já passado um ano. O Corpo de Bombeiros de Minas Gerais merece todo o reconhecimento pelo incansável trabalho de buscas.
A Igreja se fez presente, sobretudo na pessoa de Dom Vicente Ferreira, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, do Pe Renê Lopes, Pároco de Brumadinho, de outros padres, leigos e leigas que se dedicaram e sujaram os pés da lama assassina para auxiliar os que trabalhavam nas buscas, ouvir as angústias das famílias que procuram pelo filho, pela filha, pelo esposo, pela esposa, ... e assim segue a lista. O ouvir atento da Igreja, a presença de oração e de conforto encoraja para seguir em frente na incansável e dolorida luta para encontrar os entes queridos assassinados pela lama avassaladora da Vale. Os que já os encontraram e os sepultaram fica o alívio de saber onde está o corpo, mas fica a dor da saudade de uma vida ceifada tão cedo e em pleno exercício da profissão. Não só a presença da Igreja Católica esteve junto neste amparo, mas várias outras denominações religiosas somaram forças para lutar, buscar e confortar. É a união das igrejas somando forças em prol do bem comum para aliviar um pouco a dor e o sofrimento.
O Papa Francisco, na Laudato Si, assim se refere sobre a relação natureza e humanidade

Quando falamos de “meio ambiente”, fazemos referência também a uma particular relação: a relação entre a natureza e a sociedade que a habita. Isto impede-nos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida. Estamos incluídos nela, somos parte dela e compenetramo-nos. As razões, pelas quais um lugar se contamina, exigem uma análise do funcionamento da sociedade, da sua economia, do seu comportamento, das suas maneiras de entender a realidade. Dada a amplitude das mudanças, já não é possível encontrar uma resposta específica e independente para cada parte do problema. É fundamental buscar soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental. As diretrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza. (LS 139).


Figura 02[2]

Diante desta fala do Papa Francisco, apontando que o ser humano não é separado da Natureza, mas parte integrante dela e responsável por ela, resta a dor no coração de dizer que este princípio relacional não foi seguido pela Vale. Mais um Rio está morto e o povo e a vida da natureza que depende dele estão órfãos de água, e água é vida. Sem água boa não existe como manter o peixe no rio que dá sustento aos pescadores e suas famílias. Não tem como recolher a água para irrigar a plantação. Não tem como absorver a água para ser tratada e distribuída nas cidades. E muitas das cidades ao longo das margens do Rio Paraopeba dependiam dessa água. Já não tem mais o que fazer. O recurso agora é buscar outros meios para que as famílias e a natureza, que dependiam das águas do Paraopeba, possam sobreviver. E a Vale continua com sua atividade mineradora. O prejuízo da tragédia já foi revertido, mas as vidas humanas não foram e não serão recuperadas. A vida no Rio Paraopeba, levará muitos anos. 

A preocupação primeira da Vale, e todo o grupo que a envolve, não era com as vidas que ali trabalhavam, mas simplesmente com o lucro que desse lugar iria tirar. A Vale usava a natureza e as vidas assassinadas para lucrar. A Vale sabia que isso poderia ocorrer e, talvez, estava ciente de que as sirenes não funcionavam, mas preferiu apostar na sorte e esperar o amanhã. O amanhã chegou e foi o dia vinte e cinco de janeiro de dois mil e dezenove. Um ano depois são duzentas e setenta e duas mortes contabilizadas e mais os desaparecidos. É a vida de um rio morto somente com água enlameada. A dor continua e não será esquecida enquanto os entes queridos viverem. A dor continua porque acabou com um espaço de beleza e harmonia por onde a lama passou. A dor continua porque tirou o sustento de muitas famílias. A dor continua porque a cidade foi invadida por caloteiros tirando proveito da situação. A dor continua...
Crime desastre ambiental e humano de Brumadinho: o maior crime institucional sem punição aos culpados envolvidos na organização, na produção, na fabricação e na execução de tarefas tanto na construção das barragens quanto na administração geral da empresa Vale.  
   
Prof. Esp. Edemilton dos Santos.



[1] Painel com os nomes das vítimas de Brumadinho e Mariana produzido pelos alunos durante a execução do Projeto II Café Filosófico Euclides da Cunha que teve como tema de reflexão: Responsabilidade e Ecologia: o crime-desastre-ambiental e humano de Brumadinho como desafio ético. Esse projeto foi realizado no dia 13 de setembro de 2019 nas dependências da Escola de Educação Básica Euclides da Cunha na cidade de Jaraguá do Sul – SC. Na imagem estão os nomes dos dezenove mortos em Mariana e dos mais de duzentos e cinquenta mortos em Brumadinho. Contagem até a data do evento.
[2] Trajeto da lama na localidade do Córrego do Feijão, Brumadinho – MG.

Comentários

  1. Parabéns pelo texto Edmilton, nunca esqueceremos a noite filosófica do ano passado quando você uma discussão a respeito deste tema.

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    1. Obrigado pelo retorno. Realmente foi um bonito momento de reflexão sobre a vida e o cuidado com ela.

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  2. Parabéns professor Edemilton! Grande reflexão! Nosso respeito ao povo de Brumadinho!

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    1. Obrigado pelo retorno. O povo de Brumadinho sofre muito. Ontem, 25/01, ao acompanhar a celebração por ocasião do primeiro ano da tragédia-crime pela televisão era nítido a dor estampada no rosto das pessoas que sofrem a dor da vida ceifada dos seus entes queridos.

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